COMO SE MANTÉM OS CONTRATOS DE LOCAÇÃO EM TEMPOS DA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS?

Beatriz Bianco Machado Peters

De 13 de abril de 2020

                     Quem diria que o mundo paralisaria com a presença de um vírus? É o que nos perguntamos desde as primeiras confirmações do coronavírus na cidade de Wuhan na China.[1]

                     Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a rápida expansão do novo coronavírus (COVID-19) configura uma pandemia[2]. Após a Ásia este vírus já assolou países nos cinco continentes e agora, em fevereiro de 2020, chegou ao Brasil[3].

                     Diante disso, decretos estaduais[4] determinam a suspensão das atividades consideradas não essenciais e medidas como o distanciamento social são recomendadas pelo Ministério da Saúde. Tais providências são imprescindíveis para conter o contágio do COVID-19, entretanto, trazem preocupações de ordem econômica, afinal muitos brasileiros não conseguem exercer suas atividades profissionais.

                     Neste cenário isolamento social e preocupação com a saúde de todos, uma provável crise econômica acometerá o país. E um ponto que merece especial destaque é: a pandemia que a assola o mundo permite o não pagamento dos alugueres ou admite o pagamento extemporâneo das obrigações firmadas em um contrato de locação?

                     Antes de mais nada, deve-se resguardar a função social dos contratos prevista no artigo 421 do Código Civil, no qual prima por respeitar a autonomia da vontade que ensejou os contratos, os quais convencionam deveres e obrigações para ambas as partes (locadores e locatários).

                     Esta pandemia trará dificuldades econômicas que poderão ser momentâneas ou não, como possíveis quedas no faturamento de empresas ou redução de receitas pessoais com longa ou difícil recuperação.

                     A teoria da imprevisão, prevista no artigo 478 do Código Civil, prevê a possibilidade da resolução do contrato ou redução das prestações para estabelecer o equilíbrio contratual. Para tanto, necessário preencher os seguintes requisitos: i) existência de um contrato em execução, ii) a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, iii) acarretar extrema vantagem à outra parte, iv) em razão de acontecimentos extraordinários ou imprevisíveis.

                     É incontroverso que a pandemia configura um acontecimento extraordinário e imprevisível, o qual poderá acarretar na hipossuficiência econômica do locatário e o pagamento do aluguel excessivamente oneroso, porém difícil aceitar que tal situação resultará em uma extrema vantagem ao locador, o qual faz jus em perceber o que foi pactuado no contrato de locação, em outras palavras, receber o aluguel.

                     Ademais, o não pagamento do aluguel poderá configurar fato que onere demasiadamente as finanças do locador, quando este utiliza-se de tal receita para quitar suas despesas essenciais.

                     Sob este viés, não há desequilíbrio nas obrigações contratuais, as quais permanecem as mesmas, o locador deve dispor o imóvel em favor do locatário e, em contrapartida, este pagar àquele o aluguel. Não há, portanto, como pleitear a extinção ou revisão do contrato de locação utilizando-se como fundamento a teoria da imprevisão.

                     Entretanto, não havendo condições de pagar o aluguel convencionado, em razão da impossibilidade de exercer a sua profissão, tendo em vista as medidas para conter a pandemia, demonstrada a sua incapacidade, pode-se obter a moratória.

                     O artigo 393 do Código Civil prevê que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizados.

                     Tal artigo não isenta o locatário de pagar os alugueres, mas, neste período de calamidade pública, poderá haver a moratória, suspensão do pagamento do aluguel, sem a cobrança de juros de mora e honorários advocatícios, conforme estabelece o artigo 395 do Código Civil[5].

                     Inobstante a previsão da ausência de mora durante o período de pandemia, que configura um motivo externo (força maior) causado pelo novo coronavírus, tal moratória deve ser aceita pelo locador ou reconhecida mediante decisão judicial.

                     Não há como aceitar uma moratória generalizada, sem critério e responsabilidade, afinal a crise econômica abalará a todos, locadores e locatários, e será imprescindível que os nossos tribunais decidam observando os princípios da função social do contrato, da boa fé contratual (artigo 422 do Código Civil) e da dignidade da pessoa humana.

                     Em que pese a hipótese da moratória, considerando que o contrato é válido entre as partes, em caso de inadimplemento da obrigação de pagar aluguel, o locador poderá rescindir o contrato de locação e pleitear a devolução do imóvel com a ação de despejo, com fundamento no artigo 59, §1º, inciso IX da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991[6].

                     Caso seja este o interesse o locador, deve-se avaliar possíveis riscos, afinal o Projeto de Lei nº 1.179/2020[7] prevê um regime jurídico emergencial no período da pandemia do COVID-19, o artigo 6º[8] pretende impor a moratória a todos os contratos em execução e o artigo 9º estabelece a suspensão da concessão de liminar de despejo até 31 de dezembro de 2020.[9]

                     Uma fundamentação semelhante embasou a decisão[10] que concedeu a liminar determinando o despejo de uma família, porém suspendeu o seu cumprimento até 30/04/2020, com supedâneo nas medidas à prevenção da pandemia do COVID-19, somada à orientação do Ministério da Saúde de recolhimento domiciliar, além das disposições do Decreto Judiciário nº 172/2020 do TJ/PR[11], o que determinou a suspensão dos prazos judiciais até esta data.

                     Atualmente temos um panorama de incerteza, afinal de um lado temos a lei que rege os contratos de locação (Lei nº 8. 245/91) que em artigo 59, §1º prevê a concessão da liminar para desocupação do imóvel no prazo de quinze dias, por outro lado o PL nº 1.179/2020 pretende impedir a concessão de liminar em ação de despejo até o dia 31/12/2020.

                     Para solucionar tal questão, de maneira rápida e razoável, pode-se utilizar do disposto no artigo 18 da Lei de Inquilinatos que prevê que: é lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.

                     Esta faculdade, de convencionar outro valor de aluguel, é livre às partes, sendo possível em qualquer momento da vigência do contrato, só basta valer-se dos princípios da cooperação e da boa fé que norteiam o Código de Processo Civil.

                     Desta forma, locador e locatário poderão flexibilizar algumas cláusulas contratuais, com a negociação o valor do aluguel, bem como a forma de pagamento que aprouver a ambos, sendo possível uma negociação temporária para o período da pandemia. Assim, com os reajustes necessários haverá a manutenção do contrato de locação.

                     Tal solução visa incentivar o adimplemento das obrigações, sem ignorar as nefastas consequências econômicas da pandemia tornando-se a melhor solução para todos.

[1]     https://pt.wikipedia.org/wiki/Pandemia_de_COVID-19

[2]     https://nacoesunidas.org/organizacao-mundial-da-saude-classifica-novo-coronavirus-como-pandemia/

[3] https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/02/brasil-confirma-primeiro-caso-do-novo-coronavirus.shtml

https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46453-coronavirus-brasil-monitora-182-casos-suspeitos-da-doenca

[4]     No Estado do Paraná, o Decreto nº 4.317 de 21/03/2020 dispõe sobre as medidas para a iniciativa privada acerca do enfrentamento da emergência de saúde pública de importância decorrente da COVID-19, o qual pode ser acessado no seguinte link: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=391239

[5]     Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

[6]     IX – a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm

[7]     https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8081779&ts=1585871638767&disposition=inline <acessado em 02/04/2020>

[8]     Art. 6º As consequências decorrentes da pandemia do Coronavírus (Covid-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no art. 393 do Código Civil, não terão efeitos jurídicos retroativos.

[9]     Art. 9º Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 31 de dezembro de 2020

[10]   Processo nº 0002246-50.2020.8.16.0194 em trâmite na 14ª Vara Cível de Curitiba/Paraná – https://www.conjur.com.br/dl/httpswwwconjurcombrimgbcorona-virus7jpeg.pdf <acessado em 02/04/2020>

[11]   https://www.tjpr.jus.br/documents/18319/32915431/DEC_JUD_172_2020_DM.pdf.pdf/19557fc2-d2c4-2fcf-116d-1d69d58bf48f